Dia Internacional do Fóssil

16 Outubro 2024


Nesta data celebra-se o Dia Internacional do Fóssil, uma iniciativa da International Palaeontological Association. Na SPdP Sociedade Portuguesa de Paleontologia assinalamos este dia com um texto da autoria de Márcia Mendes (LNEG)  e Zélia Pereira  (LNEG & Direção da SPdP) sobre o Grandispora echinata, o fóssil incluído no design dos materiais do III PaleoPT.


Grandispora echinata: uma espécie guia emblemática do Famenniano português


Grandispora echinata, destaca-se pela sua ornamentação complexa, espinhosa tal como indica o nome da espécie “echinata” (do grego echinos, que significa espinhos). Descrita pela primeira vez por Hacquebard em 1957 esses espinhos são uma característica importante para a identificação e classificação da espécie. Por desempenhar um papel crucial na bioestratigrafia do Devónico Superior em Portugal, ganhou ainda mais destaque e é a imagem do 3º TYLOSTOMA. 

Como começou

O género Grandispora foi inicialmente identificado a partir de fósseis descobertos na Europa Oriental, em regiões como a Bielorrússia e partes da Rússia. Entre as décadas de 1950 e 1970, Kedo revelou diversas espécies pertencentes a este género, contribuindo significativamente para a compreensão da sua evolução e distribuição geográfica (Kedo, 1957, 1963, 1974). Inicialmente, os esporos que agora pertencem ao género Grandispora eram classificados em géneros diferentes, como Hymenozonotriletes e Archaeozonotriletes. A formalização do género Grandispora ocorreu em 1971, quando Playford descreveu a espécie Grandispora notensis a partir de amostras do Devónico Superior da Austrália. Nas décadas de 1980 e 1990, o género passou por revisões significativas. (Avchimovitch et al., 1988, 1993) reavaliaram várias espécies, resultando em novas combinações taxonómicas e clarificações na nomenclatura. Esta reavaliação ajudou a padronizar a classificação de espécies tais como Grandispora facilis e Grandispora flavus.

Figura 1. Representação esquemática original de Hoffmeister, Staplin and Malloy, 1955 da vista proximal do esporo Grandispora.

Grandispora Hoffmeister, Staplin and Malloy, 1955  emend. (McGregor, 1973)

Descrição: Esporo trilete camarado, de contorno equatorial circular a triangular. Corpo central levemente liso, possivelmente pontuado ou granulado. Parede da vesícula pontilhada a granulada, possivelmente lisa, com espinhos dispersos proeminentes; raios trilete fracos, simples e que aparentemente se estendem até a borda do corpo central; a parede do corpo central é apenas ligeiramente mais espessa do que a parede da vesícula, translúcida.

Genótipo - Grandispora spinosa Hoffmeister, Staplin and Malloy, 1955

Foi apenas muitos anos depois, que um grupo de trabalho de taxinomia da Comissão Internacional de Microflora do Paleozoico (CIMP), encabeçado por Ken Higgs e equipa (Higgs et al., 2000, Figura 2) publicaram um estudo fundamental sobre a correlação e sistemática do Famenniano na Europa, utilizando exclusivamente o género Grandispora. A análise incluiu representantes de Bielorrússia, Polónia, Alemanha, Bélgica, França e Irlanda, analisados em quatro workshops colaborativos. Apesar das dificuldades causadas pelos diferentes esquemas biozonais entre Europa Ocidental e Oriental, os géneros de Grandispora são comuns em ambas as sucessões de esporos do Famenniano, o que sugere que esses táxons facilitam correlações intracontinentais. O consenso alcançado resultou na definição da morfologia e nomenclatura de 13 espécies de Grandispora, e uma nova espécie, Grandispora tamarae, foi descrita, além de seis novas combinações genéricas. A distribuição estratigráfica definida para cada espécie foi documentada e correlacionada com os esquemas de zonação de conodontes. Verificou-se que muitas espécies de Grandispora aparecem em níveis estratigráficos semelhantes em diferentes regiões. Essas descobertas oferecem novas possibilidades para correlacionar esquemas de biozonações de esporos do Famenniano, superando desafios anteriores causados por diferenças fitogeográficas e conceitos taxinómicos divergentes.


Figura 2. Estudo de Grandispora spp. (Higgs et al., 2000) 

Distribuição Geográfica e Importância Bioestratigráfica do Género Grandispora

Grandispora é um esporo cosmopolita, com uma distribuição geográfica ampla, com ocorrências documentadas na Europa Ocidental e Oriental, incluindo regiões da Bélgica, Alemanha e Irlanda, assim como em áreas do Canadá e Austrália. Esta distribuição extensa faz da Grandispora um importante marcador bioestratigráfico, usado para correlacionar unidades geológicas de diferentes regiões. Existem dezenas de diferentes espécies de Grandispora documentadas em associações palinológicas de todo o mundo, desde o Devónico ao Carbonífero. Em Portugal, ganham relevância estratigráfica espécies como Grandispora gracilis, Grandispora famenensis (Grandispora famenensis var. minuta, Grandispora famenensis var. famenensis), Grandispora cornuta e Grandispora echinata.

Grandispora echinata (Hacquebard, 1957)

Holótipo: Hacquebard, 1957, pl. 3, fig. 17

Descrição: Esporo trilete camerado, de contorno equatorial subcirculares a triangularmente arredondados na vista proximal; fenda trilete geralmente distinta e acompanhada de labra flexuosa até 7 µm altura, raios simples, estendendo-se até a margem do corpo e terminando em curvatura imperfeita; corpo central relativamente fino, margem bem definida; vesícula fina, dobrada sobre o corpo, estendendo-se 4-9 µm além da margem do corpo, limbo estreito no equador; Exoexina fina mas ligeiramente espessada no equador (~2 µm); Intexina indistinta, contorno compatível com amb, aprox. ¾ ou ligeiramente mais do que o raio total do esporo. Exina do corpo provavelmente lisa; distinguem-se pequenos cones e espinhos, 1,5-2,5 µm de altura e diâmetro basal 1-2 µm; elementos discretos, não apinhados, separados 2-6 µm.

Figura 3. Grandispora echinata Hacquebard, 1957 Holotype, 64 X 72 microns. M 101, Slide 2 at 21 by 103.9 Dialux.

 

Tamanho: 62-93 µm em Hacquebard (1957) e 50-75 µm em (Playford, 1964)

Observações: Esta espécie é atribuída ao género Grandispora devido à presença de uma vesícula espinhosa. No entanto, o diâmetro, bem como o comprimento dos espinhos, está consideravelmente abaixo do tipo do género. A espécie descrita pode ser similar a Hymenozonotriletes medius (Naumova, 1953) mas não foi notada a extensão dos raios na bexiga além do corpo do esporo.

Características distintivas: Esta espécie distingue-se pela presença de uma fina exoexina, uma intexina relativamente larga e bem definida, e ornamentação que incluí cones e espinhos discretos, com altura que varia de 1,5 a 2,5 µm.

Ocorrência: Grupo Horton, Nova Escócia, amostra de West Gore.

Ocorrência do género Grandispora em Portugal

As formações sedimentares do Devónico-Carbonífero em Portugal foram extensivamente estudadas sob a ótica palinoestratigráfica nos últimos quase 30 anos (p.e., Oliveira et al., 1997; Oliveira J.T. et al., 2004; Pereira, 1997, 1998; Pereira et al., 1996, 2008, 2014, 2021). Isso permitiu um conhecimento detalhado das associações de esporos, incluindo inúmeras ocorrências do género Grandispora na Zona Sul Portuguesa, particularmente no Devónico Superior. As formações onde Grandispora é encontrada incluem as formações Ribeira de Limas, Pulo do Lobo, Gafo, Horta da Torre, Santa Iria, Represa (Antiforma do Pulo do Lobo), e o Grupo Filito-Quartzito (formação Filito-Quartzítica, Barranco do Homem, e o Complexo Vulcano-Sedimentar da Faixa Piritosa Ibérica) (p.e., Mendes et al., 2017; Oliveira et al., 1997, 2004; Pereira, 1997, 1998; Pereira et al., 1996, 2008, 2014, 2021; Pereira & Mendes, 2019).

Importância da espécie Grandispora echinata no contexto da Zona Sul Portuguesa, Portugal

Maziane et al. (1999) definiu um intervalo no Famenniano superior, definido pela primeira ocorrência de Apiculiretusispora verrucosa e Vallatisporites hystricosus (Biozona VH). Outros táxons presentes na Biozona VH incluem Endoculeospora gradzinskii, Spelaeotriletes crenulatus e Grandispora echinata. Os primeiros exemplares de G. echinata foram encontrados em Chanxhe (Bélgica), o que é estratigraficamente mais baixo do que os relatos anteriores, que indicavam a sua ocorrência dentro das biozonas de Retispora lepidophyta (Famenniano superior – Biozonas LL, LE, LN).

Quase 30 anos de estudos palinoestratigráficos na Zona Sul Portuguesa (Portugal) permitiram observar certos padrões florísticos nas associações de esporos, que divergem ligeiramente do estabelecido por Mazziane et al. (1999) para o intervalo da Biozona VH no Famenniano superior. Na Zona Sul Portuguesa (Portugal), as primeiras e abundantes ocorrências de Grandispora echinata foram associadas a este intervalo, por vezes difícil de diagnosticar ao nível da idade uma vez que ocorrem apenas ocasionalmente esporos raros de Apiculiretusispora verrucosa e Vallatisporites hystricosus. O conhecimento detalhado da palinoestratigrafia das formações, tanto na base quanto a topo das unidades de idade atribuídas à Biozona VH, permitiu restringir a idade das formações e utilizar o esporo Grandispora echinata como marcador desta idade. Em particular, a ausência da espécie Grandispora echinata nas formações de idade mais antiga (por exemplo, Formação Corvo, Formação Gafo, Biozona VCo) e a sua menor abundância nas associações estratigráficas subjacentes a topo (como, a Formação Neves, Biozona LN) ajudaram a restringir a sua ocorrência nesta faixa (Pereira et al., 2008, 2014, 2021, 2023).

Embora Grandispora echinata não esteja restrita exclusivamente à Biozona VH, ela surge e atinge um pico de abundância durante a Biozona VH (Famenniano superior), entrando em declínio acentuado com a crise do final do Devónico-Carbonífero, até à sua última ocorrência durante o Viseiano (Carbonífero inferior) (Pereira et al., 2008, 2014, 2021, 2023).


Importância e Conclusões

A história da Grandispora é um exemplo da importância da taxonomia e da sistemática na paleontologia. As revisões detalhadas e as comparações morfológicas realizadas ao longo das décadas não só ampliaram o conhecimento sobre este género específico, mas também melhoraram a precisão das correlações estratigráficas no Devónico Superior e contribuíram para aprofundar o conhecimento sobre a evolução e distribuição das plantas terrestres.

Figura 4. Grandispora echinata Hacquebard, 1957. Representação esquemática e fotomicrofotografias de espécimenes diversos recuperados no Devónico Superior da Zona Sul Portuguesa. 

 

Referências

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